segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mariposas e Borboletas

à Regina

Anteontem recebi a visita de uma mariposa. Meu Deus! Quantos medos se constroem em volta das mariposas. Confesso que me assustei quando ela atravessou louca a janela e ficou rodopiando freneticamente em volta da lâmpada da sala. Mas o susto se deu mais pelo inesperado que pela ação necessariamente. Digo até que, passado esse primeiro momento, senti uma imensa simpatia por minha visitante.

É bem verdade que ao vê-la voando a chamei de borboleta, a considerei borboleta e assim permaneceu. Mas borboletas não são seres noturnos. Nem pardacentas. Mesmo as negras são de um negro colorido, vibrante. Essa não. Seu estar era mais discreto. Seu ser era quase humano. Havia em sua aparência uma mediocridade, e um cansaço dessa mediocridade. Sua forma rústica, pesada, é de quem passou pela vida, que tem historia para contar, se pudesse.

Quando a descobri mariposa – incrível! Minha simpatia aumentou. Ela, indiferente aos meus sentimentos, voava da sala à cozinha em busca de um fio de calor na luz branca dessas lâmpadas modernas. Se esforçou, rodou mais, foi e voltou algumas vezes e, por fim, pousou na cortina junto a janela. Voltada para fora, como dissesse: fria por fria, fico com a lua que e mais bela.

E ficou ali pousada por toda a noite indiferente à minha presença e minhas expectativas.

Quando pela manhã a vi no mesmo local, sorri... temos uma chance! E, após mais um dia repleto de obrigações, voltei mais alegre para casa, com esperança de encontrá-la. Do mesmo modo que a deixei, ou talvez, dançando pelos ares como a me convidar.

Se tinha ido.

Olhei a vastidão da sala, o sofá com seus três lugares, a flor murcha no canto da sala, a luz a iluminar tudo e a esquentar nada.. 

É, a vida não e feita de fábulas e contos de fadas.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Nós

Morgana está morta. Por todos os cantos, procuram as motivações que levaram a se matar. Os pais, os vizinhos, as amigas, a polícia... Só eu sei o verdadeiro motivo. Ela não me contou, eu não vi quando aconteceu. Na verdade, estava dormindo quando provavelmente buscou com fria calma, entre as coisas do pai, um fio de tamanho e resistência suficientes para que, dada a volta nas vigas do telhado de sua casa, o colar pendente a sustentasse pelo pescoço. Acordei às nove nesse dia.
O relatório afirma: “o fato ocorreu entre 00h00 e 00h30, no dia 27 de novembro.” – Duvido destes dados. Meia-noite e meia ela ainda estava na casa do bosque (esse era o combinado). Esperou. Uma hora recebeu as primeiras dúvidas e, por quinze minutos, rebateu-as incisivamente. Na meia hora seguinte, gradativamente, desenvolveu-se um ambiente de intimidade. Ela resolveu relativizar suas respostas e aquelas dúvidas já não pareciam tão absurdas. Às duas, enfim, concordo: Ela não vem mais. Eu não iria mais.Às duas da manhã eu não iria mais, não à meia noite ou meia-noite e meia. Às duas.
Talvez tenha corrido, e diante de minha casa ficou observando o silêncio e a luz tranqüila do abajur de meu quarto. Acreditou que sucumbi aos receios da fuga. Não pode ver que foi às pesadas lágrimas da discussão familiar. Correu (e agora tenho certeza) para seu quarto. Recolhida a um canto atrás da cama, arquitetou seu último plano.
O que tinha não eram fios e vigas e lei da gravidade, isso encontrou pelo caminho. O que tinha era apenas o compromisso: Só a Morte irá nos separar!

A morte nos separa.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Contra a força não há argumento

ou, Reconstituição.

No princípio eram todos errados. E tudo seguiria bem, cada qual com seus danos, não fosse alguém querer provar que mais errado era o outro.

– Esse filho da puta vai aprender a não mexer com alguém como nós! Onde já se viu, em pleno Bairro Nobre ser ofendido por essa ralé.

Alguém chegou a dizer - meio automático, é verdade – Deixe isso para lá. Mas os argumentos eram fortes e, principalmente, o sentimento de proteção e defesa do território, conquistado com suor de muitos anos.

– Eu vou acabar com a raça desse desgraçado. Filho da Puta. Ele vai aprender a não mexer com certas pessoas.

Chegou cedo, queria resolver esse problema com urgência. Do carro, ela apontou para o outro lado. Foi impossível não se encontrar em frente à padaria. Ela, cabeça baixa - medo, vergonha, - ele, sorrindo com raiva.

– Putz, esses playboys vão me foder - pensou o outro. E seguiu com os olhos cada movimento alheio. Viu entrar com fúria, e bater no balcão enquanto berrava. Mesmo quando o responsável chegou, não diminuiu. Movimentava os braços e levantava-se sobre os pés, sobre todos. As pessoas olhavam atônitas. Umas olhavam para fora, procurando o que se apontava lá de dentro – Que MERDA!!! – Se escondendo atrás dos loiros cachos, se encolhendo, estava a menina. Quando dentro o gerente esboçou um movimento, fora o segurança recuou. Deu a volta ansioso e entrou pelos fundos. Demorou. Não sabia o que fazer...

Enfim, ao trabalho.

Voltou a seu posto. Menina? Chefe? não estavam. O garoto estava. E começou uma discussão sem início, um mundo de provocações, xingamentos e ódio. Foi então que um dedo invadiu sua cara. E quando esse dedo apertou a tesa carne de seu rosto, o insuportável aconteceu. Do bolso sacou a faca, peça de talher, serrilhada. Enfiou fundo. Abaixo do bolso do terno. Surpreso, o garoto arregalou os olhos e deu um passo atrás. Sentiu a fragilidade do corpo quando o metal rodou áspero por suas entranhas.

Caiu. Caiu sem entender o que acontecia.

No outro dia, um velho, do alto da sabedoria de sapateiro, lamentou: Pobre é o homem, que não briga por sua sobrevivência. Faz guerra, muita guerra. E por orgulho, vaidade, rancor, soberba, arrogância...

***
 
"ê vida vã
ê ê ê vida vã
o jornal de hoje
é o papel de embrulho de amanhã"
Zeca Baleiro
 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

GANHEI!

- Par:
- Ímpar.

- Ganhei!

- Ímpar:
- Par. Ganhei de novo!
- rrr...
- Não fique nervoso, amor! É só uma brincadeira.

...

- Poxa, 17 vezes... a última, ta?
- Ímpar:
- Par!

Perdeu. Levantou e espancou a mulher

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Coração Parou

- O coração parou...
- Socorre, um médico, um médico.
- Ele está ficando roxo?
- Então não é coração, é o pulmão.
- O pulmão parou...
- Socorre, um médico, um médico.
- Pulmões não param, seu idiota.
- Socorre, um médico...

E foram essas as últimas palavras que escutou. Estranhou. Há muito tempo não escutava voz humana. Acho que por isso aguentou ainda mais 5 minutos. Já havia desfalecido. A boca arreganhada com os dentes todos a mostra, a língua enterrada na garganta. Os músculos todos contraídos. Não se entregou facilmente à morte. Grande apreço pela vida? ainda acredito que tentava identificar aquele emaranhado de sons nem tão novos que pudesse ser indiferente e nem tão comum que não provocasse a curiosidade. Identificou, mas não se identificou. Por isso, brevemente as feições foram se tornando plácidas, traquilas. Os olhos duros, voltados para trás, como a buscar alguma coisa bela, a alma talvez. Mas já sem desespero, calmos. Não havia mais nada que temer.

Há muito tempo não temia nada. Não temia nem sentia nada. Há muito tempo muita coisa. E a mecânica do corpo foi perdendo sua funcionalidade.Os braços não serviam mesmo para muita coisa. Dedos, olhos, nariz. Pêlos e pele já não eriçavam mais. Vibrações sonoras não invadiam mais os ouvidos. Alguns ruídos - repetitivos sons de máquinas, sem contraste, sem sentido - o acompanhavam. A boca, comer, o mínimo; falar, absolutamente nada. O cérebro, massa cinzenta. O estômago se acostumou a trabalhar em silêncio, não reclamava mais a falta de alimento. Do mesmo modo o coração. Trabalhava letárgico. Foi perdendo a violência das batidas, o ritmo. Batia tão sem vontade de bater que o sangue deslizava lento pelo corpo. Nas veias, chegava a esfriar. E como não sentia nada, não sentiu aquele momento chegando, se apossando, tomando conta do que restava de sua existência.

Quando, já entregue, recebeu aquele ataque de sons humanos, o emaranhado de vozes conseguiu transpor uma barreira naquele corpo. O invadiu. E percorreu vibrante. Os olhos abriram ainda uma vez. O coração enternecido voltou à violência. Duas, três vezes. Fez com que o corpo recebesse uma enxurrada de sangue novo e quente. Ainda sem entender o que eram aquelas ondas frenéticas pulsando em si, a mente pensou: vale a pena?

- Como os pulmões não param?
- O coração parou?
- Deus, que miserável.

Não.

- Parou.